Artigo | Adictos de views: "Jogar num rio de merda e ver vários pular"


Eu queria ter, pra testar e ver,
um malote, com glória, fama, embrulhado em pacote.
Se é isso que 'cês quer, vem pegar,
jogar num rio de merda e ver vários pular!
Racionais - Vida Loka (parte 2)

Antes de entrarmos no assunto principal gostaria apenas de pontuar uma coisa, MEU DEUS DO CÉU JOVI, PONHA-SE NO SEU LUGAR PORRAAA, NÉ SAUDOSISMO NÃO, AIN GUARDINHAMM, É SÓ BOM SENSO PORRA!!!! CÊS NÃO INVENTARAM A RODA NÃO FAMÍLIA, É SÓ BUSCAR AÍ, NEM PRECISA IR LONGE NÃO, PELO CONTRÁRIO, PODE SER REFERÊNCIA PRA VOCÊS FAZEREM AS COISAS QUE FAZEM MELHOR. MAS VAMO LÁ!

Bom, passado pouco tempo depois do rapper GOG ser ridicularizado por um idiota, agora pasmem, me deparo com uma nova palhaçada com o KL Jay. Eu tento fugir de perreco, mas os prints chegam até mim e infelizmente eu entro em combustão porque não é possível ler algumas coisas. Ontem, dia 15, nos comentários de uma página que já me faz revirar os olhos, um cidadão disse que o KL Jay era flopado pois só tinha 22k de ouvintes mensais no Spotify, entre outros comentários. E isso me fez pensar, quais pontos podemos levantar sobre isso sem agredir o cidadão? Porque a maioria dos nossos jovens acha que o combo é pronto, fama + dinheiro + se tornar um imbecil? Quero discutir algumas coisas antes que eu exploda, e convido vocês pra isso.

Ódio sobre tela, 2021.
Ódio sobre tela, 2021.

Geralzão sobre Hip Hop e a relação com os números na história

Aquela fita que a grande mídia usa pra empurrar na nossa goela algum produto de "os números não mentem", quase sempre é irreal. Na sua essência, esse conceito se apresenta como uma prova concreta, mas essas métricas são conhecidas por serem falhas: na era dos streamings, a veracidade do número de vendas é bem confusa, e ao longo da história, houveram denúncias de esquemas de gravadoras "pagarem para vender". Mas tanto artistas quanto fãs, acreditaram genuinamente nessa ideia, a tal ponto que ela se tornou uma arma lírica nos anos 90, seja nos "jabs" das músicas, ou mesmo usada pras batalhas de qual trabalho foi melhor executado. Mas nesses casos, os artistas serviam às gravadoras, no caso não estavam se gabando de si, como artistas, mas sim exaltando e mostrando como sua gravadora e distribuidora era mais importante e como era bom fazer parte daquele time. Uma gravadora com milhões em discos vendidos, acabava fazendo parcerias que envolviam muito dinheiro, e isso era importante pro artista, ainda que o dinheiro fosse pouco repassado. 

A Ca$h Money por exemplo, é uma gravadora americana fundada pelos irmãos, Bryan "Birdman" Williams e Ronald "Slim" Williams. Em 1998, a Ca$h Money assinou um acordo de impressão e distribuição milionário com a Universal. Após o acordo, os recordes da gravadora alcançaram um novo nível de sucesso. O lançamento do álbum 400 Degreez de Juvenile em 1998, foi certificado 4X Platinum pela RIAA (Recording Industry Association of America - Associação Americana da Indústria de Gravação), e solidificou a Ca$h Money como um selo poderoso na cena Hip Hop. Álbuns posteriores também obtiveram grande sucesso nas paradas e aumentaram a reputação do selo. 

Com certeza os números de vendas acabaram se tornando pontos de verificação importantes durante a história do Hip Hop. Como por exemplo nas rivalidades Tupac x Biggie, Ja Rule X 50 Cent, entre outros, mas os números também foram destruidores se pensarmos em artistas que embora geniais, não conseguiram acessar o "sucesso" dos primeiros álbuns, vide Nas com Illmatic.

Então podemos pensar na dinâmica, investir pra tornar uma gravadora popular e sinônimo de sucesso, poderia alavancar artistas que não fossem tão expressivos pelo simples fato do diga-me com quem tu andas.

Sequestrados pela indústria: quando o capitalismo se camufla na cultura

Lembro aqui que quando me refiro a cultura, falo dessa parte específica que envolve a música e seus agentes. Não falo da cultura em movimento, do dia-a-dia nas ruas e nas contribuições de todas e todos. 

Pode-se dizer que a música se tornou a principal forma cultural de difusão da produção e do consumo capitalista. Eu foco no rap porque este é um site de rap. Se você acha que o country faz isso, ou a música clássica faz o mesmo, você pode escrever sobre, eu estudo e consumo rap e vou me focar nisso. Eu acredito que o papel do capitalismo e a competitividade interna do rap, é diferente de outros gêneros populares, e por isso é tão comum artistas ao longo da história se gabarem de seus números. A possibilidade de usar a arte pra furar a barreira social-econômica é muito presente nesses gêneros, o acesso de nossos jovens aos bens de consumo é muito distante, e as raras possibilidades para chegar ao sonho de ‘ter’, são mais exploradas através do “crime, música, futebol”, como canta Racionais em Negro Drama. 

Mas como chegamos nisso? Pensando lá na América dos anos 80, e posteriormente aqui no Brasil, concomitante com a criação da cultura Hip Hop, estavam sendo abertos os caminho para as privatizações e o retrocesso do Estado. O neoliberalismo foi e é defendido como o salvador da humanidade. O mercado estava destinado a resolver os problemas do mundo, pelo que nos disseram. E o lucro se tornou deus, literalmente.

A indústria da música é um mercado controlado por grandes gravadoras. E cada gigante da música tem interesses que acabam resultando em desigualdade social, apropriação cultural e exploração da cultura negra. Sim, a música rap símbolo de oposição à estrutura hegemônica, também depende da estrutura capitalista para ter "sucesso". Mas é importante pontuarmos que esse controle corporativo se dá através do controle: a) de qual imagem e qual voz vão ser distribuídas, já que a mídia hypada é controlada pelo mercado, e b) a mercantilização da revolta negra, já que você empacota e distribui nossas questões pra diversão e prazer alheio. Um dos grandes exemplos disso é como as pessoas popularizaram a palavra "nig*a" e romantizaram violências em suas músicas sem que fosse promovidas questões de educação sobre. 

Pra um rapper ter sucesso então, ele precisa estar alinhado com uma agenda de corporações que vendem nossa imagem como ela mesmo projetou. A imagem do abuso de narcóticos, misoginia, palavrões, meritocracias, revoluções individuais. Mas mesmo alinhados com isso, porque não são todos que conseguem?

Ain mas nem todo rap!! Sim gente, eu sei, estou me direcionando a quem reforça esse tipo de discurso, mesmo que de forma sutil, e acredita que a favela venceu porque um ou dois de seus moradores conseguiu ganhar dinheiro. É importante, a gente ama, é lindo ver os nossos conseguindo por comida em casa e sem passar veneno, eu sou fã, exalto meus amigos e desconhecidos que vejo conseguindo alcançar algo. Mas a crítica é sobre quem se utiliza disso pra menosprezar outras pessoas. No meio disso tudo, de famoso pobre e famoso rico, a gente tem milhares de sonhos e talentos suprimidos por uma força violenta de opressão, e é esse o problema. Sim, eu sei que vocês não tem culpa do seu vizinho não ter o que comer, mas você tem responsabilidade de SE ENXERGAR nessa neblina toda de ideologias e subjetividades. Mesmo com as contas cheias de grana, cê tá mais perto do engravatado que te olha como mercadoria e colocou na sua cabeça que você é seus views ou do seu parceiro que grava por hobby e ama o que faz, esperando até que um dia vire pelo menos uma moeda justa mas não tem tanto alcance??? Se foder pra lá maluco, não é uma questão apenas de consciência de classe, é uma questão de vergonha na cara e sensibilidade de não enxergar as pessoas como números. A sensibilidade de não permitir que esses discursos alcancem nossas crianças, ou mesmo nossos mais velhos, de achar que eles estão na merda porque eles não correram atrás. 

Rap Nacional e os bobagifluencers

Todas essas exposições gerais podem ser direcionadas a nível mundial, mas falando de Rap Nacional atualmente temos algumas especificidades. A presença das gravadoras é algo mais restrito, a grande maioria dos nossos artistas são sozinhos, e somente quando estouram acabam atraindo os olhares das grandes marcas. E por isso talvez seja tão fácil ver discursos meritocráticos sendo difundidos de maneira viral por aí. Com a popularização do rap nos últimos anos pra além do nicho, é natural que grandes marcas busquem cada vez mais aproximação. 5 em cada 5 anúncios do YouTube tem rap na trilha sonora, os times de futebol investindo em propagandas com estilo urbano e trilhas com rap, e tudo mais.  

O marketing das marcas em diferentes áreas da indústria do entretenimento permite principalmente que o público "compre estilos de vida e experiências", sim, você paga pra se parecer com algo. Qualquer palhaço compra uma brusinha do Tupac e uma bolsa de lado e vem falar que inventou o auto tune. O público jovem é particularmente suscetível a isso, adquirir bens e materiais que construam e perpetuem imagens semelhantes a artistas que eles admiram. Isso se estende a forma de fazer música, de consumir bens, e até mesmo pasmemmm, dançarrrrrrrrrr, ninguém mais sabe as coreografias de Axé Bahia de cabo a rabo, mas fica tentando passar a mão por trás da cabeça e dar soquinho no ar em frente às câmeras. Mas ok, cada um, cada um.

A aproximação com artistas acaba sendo muito mais direta, e a visualização do dia a dia deles 24h por dia, acaba criando uma sensação de que eles nos permitem acompanhar a vida deles, e que por isso, devemos ser devotos de tudo que dizem ou falam. Voltando aos números, meu respeito se constrói porque o indivíduo tem milhões de seguidores em uma rede social, e não por quais contribuições ele deu em nível de história. Eu avalio a qualidade do som de maneira rasa e simples, de acordo com que uma pessoa que recebe pra ficar ouvindo uma música e fazendo careta fala. Se ela falar "brabo", vish, dá pra fazer MEU TOP 10 ÁLBUNS DO ANO lá em janeiro.

Mas o quanto disso é real? É conhecido que perdemos vários de nossos jovens pro suic*dio, perdemos vários de nossos jovens pra violência urbana, mas quais os números de quantos perdemos pra essa loucura toda? Quantos gênios perdemos pela simples falta de acesso a uma estrutura de qualidade pra colocar um som na rua? Quantos artistas matamos diariamente por dizer que o trampo dele não é bom se não é acessado? 

Quase sempre eu fico puta porque muita gente que tem visibilidade no rap usa os espaços pra falar asneira, pra ficar 5 horas em frente uma câmera bebendo e dando risada. Mas isso passa pela minha mão também, minha forma de consumir e de manter o diálogo pra educar, não se perder no tempo. Digo por experiência própria, o saudosismo nos leva pra espaços de caricaturas que não contribuem em nada, pelo contrário, acaba legitimando o discurso dos pioneiros do Hip Hop de 15 anos, presentes em cada esquina. Mas e ai? Porque nossos mais velhos tem muitas vezes discursos que não nos agrada, ou outras formas de ver o mundo, será que eles não tem nada pra ensinar? Se liga gente, até aqui acho que 100% dos nossos artistas nacionais do rap morreram pobres, muitos num veneno que não condiz com tudo que eram pra história. E quando isso acontece, as homenagens póstumas não dão conta de satisfazer o vazio que fica com a falta da aprendizagem que poderíamos ter tido. 

Era pra ser um desabafo, virou um texto, passou por uma "oreiada" e agora termino com meu respiro final. 

PRESTEM ATENÇÃO NESSA MERDA, A VALORIZAÇÃO DESSAS BOSTAS DE NÚMEROS USEM APENAS PRA SATISFAÇÃO PESSOAL, NÃO TENTEM IMPOR SUAS RÉGUAS AVALIADORAS DE SUCESSO SOBRE OS OUTROS, MACHUCA, MAS TAMBÉM PODE FAZER VOCÊ SE PARECER COM UM TREMENDO IMBECIL, COMPARANDO SUA HISTÓRIA COM ALGUÉM QUE CONSTRÓI UM MOVIMENTO DESDE UM CONTEXTO QUE VOCÊ PODERIA SER PRESO APENAS POR CANTAR RAP, OU MESMO COM SEU VIZINHO QUE TEM A SUA IDADE E NÃO BUSCA TER UM BILHÃO DE VIEWS. SAUDOSISMO É UMA PORRA, SEI O QUANTO SÓ OLHAR PRO PASSADO E SE DESLIGAR DO PRESENTE É RUIM, MAS EXISTEM SITUAÇÕES QUE NÃO DIZ RESPEITO A UMA DUALIDADE DE ANTES X HOJE, É MAIS QUE ISSO PORRA CARALHO.

A GRANDE MAIORIA DE NÓS FAZ PARTE DE UM BANDO DE FUDIDO QUE AMA ISSO E NÃO CONSEGUE SAIR, MESMO QUE ISSO GERE PROBLEMAS FINANCEIROS E PSICOLÓGICOS, DINHEIRO É BOM QUERO SIM SE ESSA É A PERGUNTA, MAS NÃO SE TORNEM DEVOTOS DE VIEWS, SEGUIDORES E OS CARALHO, NO FIM A GENTE TÁ TUDO SERVINDO DE MARIONETE EM UM SISTEMA QUE SÓ NOS PERMITE CHEGAR A CERTO PONTO, E VENDER A ILUSÃO QUE TODO MUNDO PODE E CONSEGUE, ESCONDENDO NOSSAS CICATRIZES E DERROTAS PRA CHEGAR ALI NAQUELE ESPAÇO PORRAAAAAAAA. 

DESVENDEM AS ARMADILHAS, E ENXERGUEM O HYPE COMO UM CAMPO MINADO, TEM GENTE QUE JÁ SOFREU COM AS EXPLOSÕES PELO CAMINHO E TEM MUITO A DIZER PRA TORNAR NOSSO CAMINHO MAIS SEGURO E MAIS SEGURO PRA QUEM AINDA VEM AÍ. 

OBRIGADA, ATÉ MAIS VER.

Referências

1. https://www.vulture.com/2018/10/hip-hops-obsession-with-numbers-goes-way-back.html

2. https://www.thelondoneconomic.com/entertainment/hip-hop-became-face-capitalism-63785/

3. https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/30353/1/ulfl240788_tm.pdf

4. https://www.thejfa.com/read/the-commodification-of-hip-hop-culture-and-rap-music

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