Exposição "Mãe Preta" abre temporada em São Paulo na galeria Mario Schenberg, da Funarte, entre 4 de outubro e 25 de novembro.


APÓS SUCESSO DE PÚBLICO E CRÍTICA NO RIO DE JANEIRO E BELO HORIZONTE, EXPOSIÇÃO “MÃE PRETA” ABRE TEMPORADA EM SÃO PAULO NA GALERIA MARIO SCHENBERG, DA FUNARTE, ENTRE 4 DE OUTUBRO E 25 DE NOVEMBRO





Idealizada pelas artistas visuais Isabel Löfgren e Patricia Gouvêa, a mostra reúne vídeos, fotografias, instalações e contará com performance de Glauce Pimenta Rosa e Jessica Castro na abertura, oficina com Jarid Arraes e lançamento de catálogo com textos de Lilia Moritz Schwarcz, Martina Ahlert, Qiana Mestrich, Temi Odumosu, Alex Castro e Júlio César Medeiros da Silva Pereira

As conhecidas imagens das amas-de-leite negras, registradas desde meados do século 19 ao início do século 20, são o ponto de partida da pesquisa das artistas Isabel Löfgren e Patricia Gouvêa para a realização da exposição “Mãe Preta”, que recebeu o Prêmio Funarte Conexão Circulação Artes Visuais de 2016.  Após grande sucesso de público e crítica no Rio de Janeiro, em 2016, quando foi exibida na Galeria Pretos Novos de Arte Contemporânea (dentro do Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos, na capital fluminense), com cerca de 2 mil visitantes, e também em Belo Horizonte,em 2017, no Palácio das Artes, a exposição chega a São Paulo, na Galeria Mario Schenberg, da Funarte. A abertura ocorre em 4 de outubro e seguirá em cartaz até 25 de novembro, reunindo fotografias, vídeos, instalações, performance e literatura.

O projeto surgiu de uma pesquisa artística de Isabel e Patricia, iniciada em 2015, que busca, visto que é um trabalho em constante progressão, traçar os elos e as ressonâncias entre a condição social da maternidade durante a escravidão por meio de releituras de imagens e arquivos do período, o desaparecimento da história escravocrata na malha urbana das cidades brasileiras e as vozes de mulheres e mães negras na contemporaneidade. O intuito da mostra é discutir a questão da memória da escravidão e o legado da mulher negra na formação da sociedade brasileira dentro da história visual do país.

“A exposição objetiva contrapor a representação romantizada das “mães pretas” e da maternidade em arquivos históricos do período escravocrata ao protagonismo real e crescente exercido pelas mães negras de hoje. Iniciamos este projeto dentro de um contexto histórico com as escavações arqueológicas e a memorialização da escravidão da região portuária do Rio de Janeiro nos últimos anos. À medida que foram se revelando diversos achados, começamos a buscar elementos que se articulassem com o papel da mulher negra – focando na sua função dupla como mãe de seus próprios filhos e como amas-de-leite de crianças brancas – na formação social da cidade. Essas vidas, marcadas pelo terror da separação e mesmo morte de seus filhos em prol da criação dos filhos de outrem, deixaram marcas indeléveis como uma das grandes injustiças da história do Brasil e de toda a sociedade escravocrata. Com a exposição propomos como reflexão as lacunas históricas em relação ao papel fundamental da maternidade tal como exercido pela mulher negra na nossa história urbana, social e visual, buscando pontos de inflexão com as lutas na sociedade contemporânea”, afirma Isabel.

Inédita em São Paulo, a exposição - que ainda seguirá para São Luís, no Maranhão, em dezembro – inclui o lançamento de um catálogo com contribuições de nomes nacionais e internacionais, como a antropóloga e curadora-adjunta para histórias e narrativas no Masp, Lilia Moritz Schwarcz (USP); a antropóloga e pesquisadora Martina Ahlert (UFMA); o escritor Alex Castro; o historiador e diretor do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos, Júlio César Medeiros da Silva Pereira (UFF); a historiadora da arte, educadora criativa e curadora britânico-nigeriana Temi Odumosu (Universidade. de Malmö - Suécia); e a fotógrafa, escritora e professora do ICP-Bard (EUA), a norte-americana Qiana Mestrich.

Um dos pontos altos da exposição é a vídeo-instalação “Modos de Fala e Escuta” (com 27 minutos de duração), que reúne o depoimento de sete mães negras sobre maternidade, racismo, memória, ancestralidade, violência e lutas cotidianas. Nesse sentido, outro destaque da mostra é a obra “Mural das Heroínas”, com 20 retratos de líderes negras, desdeLuísa Mahin, Tereza de Benguela e Nzinga de Angola às feministas Lélia Gonzalez e Beatriz do Nascimento, além de figuras políticas como Laudelina de Campos e Marielle Franco, entre outras, que simbolizam as conquistas sociais, a luta, a resistência, a voz e o lugar histórico da mulher negra no Brasil.

A exposição também conta, ainda, com a minibiblioteca Mãe Preta, que conta com publicações de autoras negras contemporânea se uma seção voltada para a literatura infanto-juvenil com títulos sobre protagonismo negro para consulta do público.

Dividida em oito séries, “Mãe Preta” apresenta instalações, colagens e intervenções em gravuras e fotografias, que, reunidas, propõem uma reinvenção poética da iconografia relacionada às mães pretas dentro de uma linguagem contemporânea tendo como ponto de partida imagens fotográficas do acervo do Instituto Moreira Salles, do Rio de Janeiro, e releituras de livros com gravuras de Jean-Baptiste Debret, Johan Moritz Rugendas e outros artistas. Isabel e Patricia criaram intervenções nessas imagens com objetos óticos, como lupas e lentes, que destacam a complexidade das relações das amas-de-leite com as crianças brancas de seus senhores e das mulheres escravizadas e seus próprios filhos dentro de contextos domésticos, urbanos e rurais.
De tão conhecidas, estas imagens são vistas de forma superficial e contribuem para um olhar normalizado sobre a vida dessas mulheres que desempenharam um papel fundamental na formação da sociedade brasileira, mas que não revelam as histórias de violência sofridas por elas. Os trabalhos propõem uma nova forma de olhar essas imagens, de modo que a figura materna apareça no primeiro plano e não apenas como um detalhe da vida cotidiana e familiar nos tempos da escravidão”, explica Patricia.

Nesse sentido, marcas naturais do tempo em reproduções de negativos de Marc Ferrez e outros fotógrafos do século 19 são aproveitadas para simbolizar cicatrizes expostas em composições fotográficas em substituição a cópias perfeitas. A dupla também levantou, em jornais de época, anúncios sobre o aluguel de amas-de-leite, assim como artigos em publicações abolicionistas denunciando escândalos e abusos diretamente relacionados à questão das amas-de-leite no século 19, sobre os quais também intervêm com diversos objetos.

Para esta edição, as artistas fizeram uma imersão nos contextos específicos de São Paulo e São Luís, para onde a exposição viajará após a etapa paulistana. Na capital paulista, as artistas seguiram o debate sobre o apagamento da história negra da cidade e, no Maranhão, realizaram entrevistas com lideranças femininas dos Quilombos Santa Rosa dos Pretos e Santa Joana, que resultaram em obras inéditas que serão apreciadas pelo público.

A abertura da exposição em São Paulo, em 4 de outubro, contará com uma performance da carioca Jessica Castro (professora de Dança Educação, pesquisadora do Jongo, intérprete do movimento da dança afro-brasileira, artista de rua e militante do movimento negro) e da maranhense radicada no Rio de Janeiro, Glauce Pimenta Rosa (cantora, artista, gestora criativa de projetos culturais de arte e educação e ativista negra feminista), que também são protagonistas da vídeo instalação. Em 6 de outubro, às 11h, haverá visita guiada e bate-papo com Isabel e Patricia.

O catálogo da exposição será lançado em 10 de novembro, na Galeria Funarte, em São Paulo. Na ocasião, haverá uma oficina gratuita com a escritora, poetisa e cordelista Jarid Arraes, cearense radicada em São Paulo e autora da coletânea “Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis”, lançado pela Pólen Livros em 2017.



“Este projeto foi contemplado pelo Prêmio Funarte Conexão Circulação Artes Visuais – Galerias Funarte de Artes Visuais São Paulo / Maranhão / Chão SLZ”

SERVIÇO

“MÃE PRETA”
Concebida pelas artistas visuais Isabel Löfgren e Patricia Gouvêa

Local: Galeria Mario Schenberg, Funarte, São Paulo
Endereço: Alameda Nothmann, 1058 – Campos Elíseos
Telefone: 3662-5177
Abertura: 4 de outubro,das 18h às 21h
Visitação ao público: 5 de outubro a 25 de novembro
Horário de visitação: segunda a sexta, das 11h às 19h; sábados e domingos, das 11h às 21h
Entrada: gratuita
Acesso a cadeirantes: sim
Estacionamento: conveniado

RECAPITULATIVO DAS ATRAÇÕES:

4 de outubro: abertura,das 18h às 21h, com performance de Jessica Castro e Glauce Pimenta Rosa
6 de outubro: às 11h haverá bate-papo e visita guiada com as artistas Isabel Löfgren e Patricia Gouvêa
10 de novembro: das 16h às 18h, oficina com Jarid Arraes (convites serão distribuídos meia hora antes do início da atividade)
10 de novembro: às 18h30 acontecerá o lançamento do catálogo


SOBRE AS ARTISTAS

As artistas cariocas Isabel Löfgren e Patricia Gouvêa trabalham juntas há mais de uma década e realizaram a pesquisa e a exposição “Banco de Tempo”, na Galeria do Lago/Museu da República, no Rio de Janeiro (em 2012), com publicação homônima lançada em 2015. A dupla busca, em sua pesquisa artística, criar maneiras de relacionar lugares históricos e arquivos de imagens a debates atuais por meio da arte contemporânea. “Mãe Preta” é a segunda pesquisa delas de longa duração e foi contemplada com o Edital Fomenta, da Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro (2016), Edital de Exposições da Fundação Clóvis Salgado (2017) e Prêmio Funarte Conexões Circulação Artes Visuais (2016).

SOBRE O PRÊMIO

O Prêmio Conexão Circulação Artes Visuais da Funarte tem como objetivo fomentar a realização de projetos de pequeno porte realizados nos espaços da instituição em Brasília, São Paulo e Minas Gerais, com circulação por outros Estados brasileiros.

MÓDULOS DA EXPOSIÇÃO

Em conjunto, as séries convidam para um percurso sobre o protagonismo da mulher negra e mãe na sociedade brasileira desde a diáspora africana até a atualidade.

Modos de Navegar – Intervenção feita em um mapa-múndi que pontua a relação de dependência entre a América do Sul e a África ao unir os rios São Francisco e Niger por meio de uma fita de möbius com um verso do poema “Vozes-Mulheres”, de Conceição Evaristo.

Modos de Revelar – Expõe um scan do negativo de uma das imagens mais icônicas de Marc Ferrez, raramente visto em público. A imagem, que revela as tessituras e impurezas do processo fotográfico em daguerreótipo, serve como metáfora para todas as imagens e vidas que, ao longo dos anos, ficaram confinadas às memórias individuais e que raramente se tornam visíveis publicamente. Ao torná-la pública, revela-se o avesso da fotografia, a sua materialidade e o que o meio é capaz de revelar ou esconder – o que convida a pensar o papel da fotografia na escrita e interpretação da história.

Modos de Olhar –Destaca a posição materna da mulher negra na sociedade colonial por meio de intervençõe sem imagens de importantes gravuristas e fotográfos. Nesse contexto, por exemplo, uma conta de Oxum, orixá ligada às águas e à fertilidade, é usado para destacar uma mulher negra que carrega o filho ao mesmo tempo que diamantes e vidros são usados para ocultar o rosto dos senhores dos escravizados.

Modos de Reportar –A série consiste em páginas de jornais de época que trazem artigos de venda e aluguel de amas-de-leite em algumas das principais cidades e vilas brasileiras do período assinaladas por guias e objetosóticos.

Vênus de Gamboa – Ressignificação de fotografias de uma mulher grávida escravizada feita por August Stahl em 1885 e usada como modelo para os estudosdo biólogo suíço Louis Agassiz, um dos principais defensores do racismo científico no século 19, com o objetivo de justificar o racismo e a eugenia. As artistas Isabel e Patricia intervêm na imagem com diversos objetos, incluindo conchas, material muito significativo em rituais.  Em uma das duas obras, a mulher aparece acompanhada de dois homens, um negro e um indígena.

Modos de Habitar – Série de colagens com fotografias de August Stahl contrapostas à paisagem do porto do Rio de Janeiro por Marc Ferrez e outros fotógrafos, especificamente o ponto de chegada do cais do Valongo, onde o Cemitério dos Pretos Novos é localizado, como forma de traçar um elo com a travessia desde a África por meio da grande água, após a qual acreditava-se ser a terra dos ancestrais.
Modos de Fala e Escuta – Constitui o trabalho central da exposição com histórias contemporâneas. O trabalho é uma vídeo-instalação com entrevistas de mulheres e mães negras, na qual são reveladas as diversas questões enfrentadas por mulheres negras, entre elas o racismo e a violência.

Modos de Recordar – Mural das Heroínas –Destaca as heroínas negras com fotos e biografias, de Anastácia até Marielle Franco. Ao todo, são 20 mulheres de um recorte de centenas de heroínas.

Modos de Encantar – Retratos de lideranças femininas dos Quilombos Santa Rosa dos Pretos e Santa Joana, no Maranhão, onde as artistas realizaram pesquisa em julho de 2018.

Modos de Apagar– Uma obra sobre lugares contestados na malha urbana paulistana onde a memória da escravidão se encontra em fase de deterioração e/ou apagamento.

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