A artista brasileira Jô Freitas transforma história de mulheres peruanas em documentário
Após 35 dias entre Pucusana e Lima, Jô Freitas captou narrativas de “Mulheres em Travessia” e realizou intervenção com o material
Durante o mês de abril a artista Jô Freitas viajou para o Peru, onde ficou por 35 dias, produzindo material para o projeto “Mulheres em Travessia”, que tem como objetivo contar histórias de mulheres que saíram do local onde nasceram para construir a própria vida e narrativa. As histórias viraram um documentário.
Na viagem, Jô Freitas, que é uma artista vinda do nordeste brasileiro e que vive na periferia de São Paulo (SP), ficou entre Lima e Pucusana, em uma residência artística no Centro Cultural Escape, colhendo histórias de mulheres que vivem em um povoado de pescadores. A residência teve apoio do ator e diretor Ricardo Delgado e do coordenador do Escape, Miguel Villaseca.
Para ela, a experiência foi muito significativa. “Eu nunca pensei que conseguiria ser artistas, ser chamada de artista, ser reconhecida, ao menos pelos meus iguais e isso já é o presente da vida e a realização de um sonho. Nunca pensei que sairia do país, principalmente fazendo um trabalho meu, gerado e parido por mim. O centro cultural peruano tem muita semelhança com o trabalho do Sarau Pretas Peri, que organizo na minha quebrada”, contou.
E assim, ela embarcou para o Peru, com as próprias aspirações poéticas e com o “Mulheres em Travessia” na mala, para atravessar a América Latina. Em Pucusana, Jô Freitas sentiu a diferença entre as narrativas e relatos das mulheres, se comparadas com as que vivem em São Paulo. “Lá [no Peru], notei a distinção entre o que elas contam e como agem. Em São Paulo é um processo mais longo e vejo que as mulheres que saíram de seus lugares de origem carregam saudade e dor de onde vieram. Embora queiram voltar, estão amarradas por São Paulo por questões de sobrevivência. Perderam as raízes, mas encontraram chão. Já em Pucusana, tem o mar que encanta, elas estão ali de fato por escolha. Já em comum, tanto as peruanas como as brasileiras falam do machismo que sofrem todos os dias, mas encontram uma na outra a força para seguir”, destacou a artista.
Conforme contou Jô Freitas, na residência artística, ela encontrou mais do que esperava. “Encontrei parcerias lindas, pessoas que fortaleceram o projeto”, contou, ao lembrar de uma turma de grafiteiros que pintou as mulheres peruanas, bem como a estadia no centro cultural e o convite para se apresentar com as mulheres na Fiesta Internacional de Teatro em Calles Abiertas (FITECA).
Mulheres em Travessia
O projeto possui três etapas. A primeira delas é fazer u documentário com a história das mulheres, a segunda, fazer poesias e por último, realizar uma intervenção urbana com um muro de memória poética nos locais em que a pesquisa foi feita. A ideia, segundo Jô Freitas, é realizar uma ação conjunta com as mulheres participantes, colando lambe-lambe no muro e ler poesias.
O projeto possui três etapas. A primeira delas é fazer u documentário com a história das mulheres, a segunda, fazer poesias e por último, realizar uma intervenção urbana com um muro de memória poética nos locais em que a pesquisa foi feita. A ideia, segundo Jô Freitas, é realizar uma ação conjunta com as mulheres participantes, colando lambe-lambe no muro e ler poesias.
“Acredito que neste trabalho com mulheres em travessia, o ponto mais alto foi compartilhar com esse povoado de pescadores as histórias e ler a poesia, intervindo com elas na beira da praia, num festival grande e podendo assim ‘empoderar’ essas mulheres diante de pessoas próximas delas”, comentou.
Agora, com o material e cheia de experiências após a travessia, Jô Freitas pretende publicar as múltiplas histórias e vozes destas mulheres nas redes sociais, bem como participar de mostras de filmes e documentários, inspirar outras mulheres no mesmo tipo de ação.
“Quero que as mulheres sigam acreditando em si. Tenho como meta fazer o ‘Mulheres em Travessia’ em outros territórios. Já o fiz em São Paulo e agora no Peru, mas nesta segunda, não houve verba ou investimento, apenas parcerias”, lembrou.
O projeto contou também com Lívia Ferreira na edição e tradução, Carol Martins na legenda e apoio, Amanda Martins e Mariana Rubem também no apoio. O desing ficou por conta de Renato pessoa e Arnaldo dos Anjos. A filmagem e edição foi feita por Fermin Tangui. A produção contou com Ricardo Delgado. Juliana Bonito assinou a animação da vinheta e Miguel Villaseca apoiou e ofereceu residência.
“Todas essas pessoas fizeram por acreditar na importância do projeto de mulheres reais inspiradoras. Volto ao Brasil 35 dias depois com ganas de vida, inspirada e fortalecida por essas mulheres. A arte e a poesia resistem”, finalizou.
Sobre a artista
Jô Freitas é poeta, atriz, arte-educadora. Atualmente integra o elenco do filme “Sequestro Relâmpago”, de Tata Amaral e realiza o projeto “Mulheres em Travessia”.
Baiana de Paulo Afonso e adotada por São Paulo, em 2014 idealizou o Sarau Pretas Peri e desde 2016 é residente do Sarau das Pretas, com espetáculos por todo o país.
Por frequentar saraus, Jô Freitas também se destaca nos slams, que são campeonatos de poesia falada que ocorrem em comunidades no mundo todo. No Peru, participou da primeira edição do campeonato de poesia oral, com classificatória para a final neste ano.
Serviço – Toda a história, os depoimentos e fotos podem ser conferidas no Facebook, na página “Mulheres em Travessia” (https://www.facebook.com/ MulheresemTravessia/) e também no Youtube (https://www.youtube.com/ watch?v=AQIAYyJfgh0).
Confira a poesia final criada a partir das histórias das mulheres de Pucusana (Peru):
Mujeres del Mar
Num mosaico de histórias imprimem lembranças distantes
São mulheres da vida, dores do mundo
São as mulheres reais que de seu barco deu adeus a seus sonhos com um lencinho encharcado
Navegando nesse mar de lagrimas afagando a dor desse menino chorão chamado mundo
No assovio do vento encontram direção
São meninas, mulheres, mães
Ventre
Se tiver permissão entre e queira ficar
Atravessar, transbordar
São elas que tem gosto de mar
Ancoram Razão
Navegam sentidos
Despem o mar
Se banham da lua
São estrangeiras da terra
Que nos mares de pucusana escolheram ficar
Na cantiga sofrida
No verso que hoje chora
Há também a alegria de saber que é capaz
Além
Não são mais refém da discriminação
São escritoras do tempo desde a colonização
Se lhes apagam o verso elas escrevem outro
Se lhes tiram o barco elas vão nadando
Se lhes cortam as asas com pernas cruzam o mundo
Não são os livros que contam suas histórias
Se lê nas veias do mundo
Precisa transver o mundo para ler as veias
Abrir os olhos no mar para sentir o sal em retinas
Pisar na terra e fazer parte dela
É preciso pessoas que saibam ver o mundo além de destruição
Ler o suspiro do vento
Os traços de olhos cansados
As linhas de mãos calejadas
O olor da vida, o olor da morte
O cheiro do peixe em seu corpo
Ler o tempo
A ressaca
A maré
E quando assim for
Saberá ler as maiores mestras do mundo as mulheres em travessia
[Jô Freitas]
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