Entrevista - Da zona leste de SP, Vinícius estuda cinema no Sul, e volta com um curta metragem inspirado em sua mãe e mulheres de sua família.

Confira!
Se apresente, quem é o Vinícius Silva ..?
R:
Sou um jovem negro da Cohab I, zona leste de São Paulo que o mundo
girou, girou, girou e fui estudar cinema no Rio Grande do Sul. Após
muitas batalhas, voltei como cineasta estreante na direção do curta
metragem Deus(2016) e agora tenho que lidar com isso.
Onde
o Vinícius pretende chegar.?
R:
Na minha vida sempre foi complicado olhar longe, sempre foi uma
frustração sonhar e depois ver que não vai acontecer, hoje tenho
sonhos, mas é aquilo uma coisa de cada vez, e hoje por mim e por
outras pessoas que chegam e falam sobre o meu trabalho, vejo que
tenho algo a fazer com o cinema e pretendo realizar mais filmes,
viver de cinema, e inspirar com meus trabalhos e caminhada novos
jovens negros.
De
onde você é, e como foi sua infância..?
R:
Então, eu sou da Cohab I, mesma quebrada do Rincon Sapiência, minha
infância acredito que de modo geral foi boa, minha mãe trabalhou
muito, muito para me criar sozinha sem a presença do meu pai, e logo
cedo perdemos meu irmão com 7 anos, eu tinha 8 na mesma época,
passamos uma crise emocional e financeira. Minha mãe é auxiliar de
enfermagem e nunca tivemos uma grana sobrando, mas também não
faltava coisas em casa, a não ser em momentos difíceis como
desemprego e até mesmo a questão do meu irmão. E no mais é zona
periférica e lidar com o crime por perto como, ir jogar futebol na
praça e ter que voltar correndo de tiroteio, joguei muito futebol,
cheguei a ser bom nisso. A... minha mãe trazia muitos filmes de
animação para eu assistir, gostava de levar eu e meu irmão ao
teatro ou algum lugar tipo ir na liberdade comer umas paradas. Enfim
é isso aí...
A
partir de que idade e como você descobriu a praga do racismo..?
R:
Me lembro de ter uma noção com o meu primeiro enquadro, acho que
com uns 13 14 anos com uns amigos, mas o racismo mesmo só fui me
ligar que algumas coisas era racistas, mas eu aceitava uns anos pra
frente. Tipo piadas de amigos, seguranças de loja, o tratamento, bom
só fui me ligar depois.
Esta
é um pergunta que praticamente pergunto pra todos os negros de pele
clara, como você lida com comentários tipo "você não é tao
negro assim"..?
R:
Bom, então fazendo um link com a pergunta anterior, hoje lido de
forma tranquila, mas sofri com essa parada de ser preto de mais pra
ser branco e branco de mais pra ser preto, dura minha primeira
infância eu cheguei a ter o cabelo loiro e quando minha mãe me
levava para passear em algum lugar, algumas vezes chegaram e chamar
ela de babá. Tipo coisas como “que menino bonito, você é a babá
dele?” e por aí vai, bom acho que essa foi minha primeira
descoberta com o racismo.
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+ Deus é uma mulher negra no filme de um jovem cineasta brasileiro |
Assumir
nossa negritude é um ato politico..?
R:
Sim mano, total! Acredito que além de saber que é negro, tu assumir
é sim um ato politico ainda mais na sociedade racista que a gente
vive.
De
que forma que o rap influenciou na sua vida, se é que ele
influenciou.
R:
Mano, ele ajudou a influenciar a minha educação, a minha postura, e
considero que ele influenciou minha vida assim como minha religião
influenciou saca? Por isso sou muito grato ao rap nacional.
Mano
fazendo um parentese, eu não queria falar de politica, mas o
Fernando Holiday um dos membros do MBL, foi eleito vereador (DEM) por
são paulo. Tem explicação um negro, que é contra o movimento
negro ser eleito..?
R:
Ele foi eleito por brancos de classe média, acredito que ele segue
na mesma linha dos capitães do mato, só que no século 21. É
triste.
Quando
surgiu seu interesse por cinema..?
R:
Então durante a infância eu assistia muito filme, mas o interesse
mesmo em saber sobre cinema surgiu através do RAP, ironia ou não, o
primeiro filme “cult” que foi Cidadão Kane, que escutei numa
letra do Racionais na Da Ponte Pra Cá, “Eu
nunca tive bicicleta ou vídeo-game, Agora eu quero o mundo igual
Cidadão Kane” . Ai assisti esse
filme, não entendi muito bem, mas na hora vi que era algo grande e
achei foda, assisti mais umas vezes e daí sai pesquisando e vendo
mais filmes e por aí foi.
Spike
Lee talvez seja o maior ou pelo menos o cineasta negro mais influente
de nosso tempo, ele de algum modo te inspira..? e qual filme dele
você mais gosta..?
R:Sim
Spike é o Deus do cinema negro, e um importante cineasta de nível
mundial.
Me
influencia muito, admiro como ele consegue lidar com sua linguagem
que é admirada por críticos de cinema e alguns filmes conseguem
fazer girar a bilheteria, o que é algo muito complicado atingir um
publico comercial e outro mais critico ao mesmo tempo, acho que em
todas as artes. O filme que mais gosto dele é o “Faça A Coisa
Certa”, mas gosto de praticamente todos hehe.
Mano
como surgiu a ideia do Filme "Deus"..?
R:
Mano surgiu numa fase de crise que estava tendo no final do curso,
quando cheguei a na disciplina de projeto pratico de conclusão de
curso, que é fazer o filme que equivale ao TCC de outros cursos, e
teoricamente o curta mais interessante de todas suas formação. Aí
comecei a pensar no porque estava ali naquele momento, visualizando a
possibilidade de concluir um curso universitário, numa universidade
federal, eu como primeiro membro da família num curso universitário.
Pensei na minha vida toda, e na minha família e vi que eu só estava
ali por conta das mulheres da minha família. Da minha bisavó que
saiu do interior de Sp, fugindo do marido que batia nela e nos filhos
vieram para capital, minha vó que teve que se virar após a morte do
meu vô muito cedo, aí depois minha mãe e meu pai que se separaram
quando eu tinha dois anos e depois nunca mais tive contato com o meu
pai, e ela teve que lidar com isso e criar eu e meu irmão sozinha,
aí lidar com a perda do meu irmão, enfim. Minha mãe foi uma
guerreira, aí no final do curso com algum portfólio em outras áreas
que trabalhava mais como Som, resolvi que gostaria de fazer um filme
em homenagem a essas mulheres, no mesmo momento de “crise
existencial” o Emicida lançou o ultimo álbum dele e a primeira
musica era a Mãe e me identifiquei muito, cheguei a chorar escutando
a musica, e tive certeza era isso que queria fazer.
+ Emicida - Mãe (Clipe)
+ Emicida - Mãe (Clipe)
Pra
quem ainda não conhece Explique sobre o que retrata o curta DEUS..
R:
Bom, ele é um curta-metragem hibrido entre documentário e ficção
que representa uma semana do cotidiano de uma mulher negra, da zona
leste de São Paulo, que cria o filho sozinha e basicamente é sobre
a influencia divina que esta mulher tem sobre a criação do filho. A
personagem principal é minha tia, Roseli Izabel da Silva, tem meu
priminho o Breno da Silva, meu tio Ricardo Silva, minha mãe aparece
numa cena também. Enfim, ele foi gravado baseado no cotidiano da
minha tia, mas montado/editado como se fosse uma ficção. Tipo
imagina se tu pudesse pegar a sua vida por uma semana e colocar ela
num filme, é tipo isso, de modo grosso e geral. Uma semana da vida
desta mulher negra que virou filme.
+ Entrevista Vinicius Silva - Deus é Uma Mulher Negra
Gostaria de saber se ele esta ou vai estar disponível para as pessoas assistirem em algum lugar.
R:
Neste momento estamos distribuindo ele em festivais de cinema
nacionais e internacionais, e acabamos de ser selecionados para
alguns. E no inicio do ano que vem, acredito que em fevereiro de
2017, vamos lançar ele nacionalmente com a possibilidade de agendar
sessões gratuitas em parceria com uma distribuidora alternativa de
São Paulo.
Qual
a importância da sua Mãe na sua vida..?
R:
Toda. Sem ela não seria nem metade do que sou, acho que nem vivo eu
estaria. Ela é Deus na minha vida.
Seja
bem sincero, você é aquilo que você imaginava quando criança..?
R:
Não mano, sou totalmente diferente. Tive todos os sonhos comuns de
um garoto da periferia, ser jogador, ter um grupo de pagode entre
muitas outras profissões que pensei em fazer durante os anos. Mas
acredito que “eu criança” estaria feliz se pudesse ver como
estamos hoje.
Inspirado
no programa Provocações do saudoso Antonio Abujamra, Teve algum
pergunta que eu não fiz, que você gostaria que eu perguntasse.? se
teve qual seria a pergunta e a resposta.
R:
Não mano, eu que espero ter respondido a altura das perguntas. E
agradeço imensamente o convite.
Mano,
indiquei 3 filmes independente do tema.
R:
Só 3? hehe Vamos lá bom, vou indicar uns filmes de uma leva atual
do cinema brasileiro, vou mandar só mais uma aqui rs.
Ela
Volta na Quinta - André Novais de Oliveira
Boi
Neon – Gabriel Mascaro
O
Olmo e a Gaivota – Petra Costa
Sem
Pena - Eugenio Puppo
Mano,
obrigado por aceitar responder as perguntas, deixe sua mensagem para
os leitores.
R:
Como disse agradeço o convite, e fico honrado. Gostaria de agradecer
a paciência do pessoal em ler as minhas respostas, e dizer que
“estamos vivos” e temos muita coisa pra fazer por nosso povo, e
no mundo. Obrigado!
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