MANIFESTO "PELO FIM DOS MASSACRES", da Rede 2 de Outubro
“O ser humano é descartável no Brasil /
como modess usado ou bombril
Cadeia guarda o quê o sistema não quis /
esconde o que a novela não diz”
Racionais MCs, “Diário de um Detento”
Em 2 de outubro
de 1992, no mínimo 111 homens presos e desarmados foram brutalmente executados
por mais de 300 policiais militares fortemente armados, fato nomeado
historicamente como o “Massacre do Carandiru”.
Foi o maior
massacre da história das penitenciárias brasileiras, só comparável aos grandes
massacres indígenas e africanos do período Escravocrata e aos massacres de
grandes rebeliões populares ao longo da história do país, como Palmares e
Canudos. A exemplo do que ocorreu em relação às prisões, torturas e
assassinatos da Ditadura Civil-Militar brasileira (1964-1988), também em
relação ao “Massacre do Carandiru”, ocorrido em pleno regime ‘democrático’,
operou-se e ainda se opera uma série de medidas para negar às vítimas e à
sociedade o direito à memória, à verdade e à justiça.
Passados quase
20 anos do Massacre, os responsáveis também seguem impunes. O estado de São
Paulo e o próprio Estado Brasileiro insistem em não cumprir as importantes
recomendações feitas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA
relacionadas ao ocorrido (http://www.cidh.oas.org/annualrep/99port/Brasil11291.htm).
A questão se torna ainda mais grave quando se observa que, no lugar de
desmantelar as estruturas repressivas que desencadearam o massacre e
responsabilizar todos os seus executores diretos ou indiretos, a estrutura
repressiva segue a cada dia mais fortalecida e muitos dos responsáveis pelo
Massacre têm sido absurdamente promovidos (basta verificar quem é o atual
comandante da Rota)[1].
A REDE 2 DE
OUTUBRO foi composta em 2011 por um conjunto de organizações, movimentos
sociais e grupos culturais que partilham a percepção de que a dinâmica social
que produziu o Massacre do Carandiru ainda continua vigente e segue a fomentar
massacres cotidianamente.
Desde a
organização do ato político-cultural em memória dos 19 anos do Massacre do
Carandiru, realizado no ano passado, a REDE 2 DE OUTUBRO tem promovido
reuniões, seminários, debates e outras atividades com o objetivo de denunciar e
debater as origens e o significado das terríveis condições de encarceramento,
do caráter seletivo do sistema penal e prisional, do uso desmedido da violência
pelo Estado com evidente corte racial e de classe, entre outras questões.
O presente
manifesto é fruto dessa caminhada e expõe um pouco como a REDE 2 DE OUTUBRO
pensa a tão propalada questão da “segurança pública” e como pretende pautar sua
atuação daqui em diante.
OS MASSACRES DE ONTEM... OS MASSACRES DE HOJE...
O Massacre do
Carandiru não é fato isolado no tempo. Sucedeu e foi sucedido por milhares de
massacres contínuos que, a serviço dos processos produtivos voltados aos altos
lucros de alguns poucos donos do país, moeu e exterminou milhões de brasileiras
e brasileiros oriund@s das camadas mais populares.
Não apenas faz
parte de uma história de 512 anos de massacres contra nossa população mais
pobre, como também é símbolo da infeliz convergência de duas políticas bárbaras
de Estado que ainda hoje vigoram plenamente: o extermínio e o encarceramento em
massa.
Em números e
fatos, não é difícil dimensionar o tamanho da barbárie cometida pelo Estado
brasileiro contra as camadas populares (a quem, em tese, deveria proteger) sob
o argumento falso de “combate à criminalidade e à violência”. Segundo o último
“Mapa da Violência 2011 – Um radiografia das mortes violentas de jovens no
Brasil”, produzido pelo Instituto Sangari e divulgado pelo Ministério da
Justiça (http://www.sangari.com/mapadaviolencia/mapa2011.html),
entre 1981 e 2011 foram assassinadas mais de 1 milhão de pessoas em pleno
Brasil “redemocratizado”. Destas, apenas entre 1998 e 2008, mais de 520 mil pessoas
foram assassinadas por aqui! Uma média de cerca de 47.360 homicídios por ano,
que segue crescendo ano após ano!
Para além de
todas as atrocidades cometidas durante a Ditadura Civil-Militar, o povo
brasileiro se viu acuado por centenas de massacres perpetrados em plena época
dita democrática[2]:
logo depois da promulgação da Constituição (Cidadã?) de 1988, pouco antes do
Massacre do Carandiru, mães, pais, familiares e amig@s das vítimas sofreram com
as Chacinas de Acari (1990) e a de Matupá (1991); depois do Massacre do
Carandiru (1992), o sofrimento seguiu com as execuções ocorridas nas Chacinas da
Candelária e de Vigário Geral (1993), do Alto da Bondade (1994), de Corumbiara
(1995), de Eldorado dos Carajás (1996), de São Gonçalo e da Favela Naval
(1997), de Alhandra e do Maracanã (1998), da Cavalaria e da Vila Prudente
(1999), de Jacareí (2000), de Caraguatatuba (2001), da Castelinho, do Jd.
Presidente Dutra e de Urso Branco (2002), do Amarelinho, Via Show e do Borel
(2003), de Unaí, do Caju, da Praça da Sé e de Felisburgo (2004), a Chacina da
Baixada Fluminense (2005), os Crimes de Maio (2006), do Complexo do Alemão
(2007), do Morro da Providência (2008), de Canabrava (2009), a Chacina de
Vitória da Conquista e os Crimes de Abril na Baixada Santista (2010), a Chacina
da Praia Grande (2011), Massacre do Pinheirinho, de Saramandaia, os Crimes de
Junho, Julho, Agosto e Setembro (2012)…
O sangue vertido em todas essas chacinas
escorre da mesma classe social, da mesma cor, da mesma faixa etária: ao longo
de 10 anos (1998 a 2008), a cada três assassinatos, dois foram de negr@s, em
sua esmagadora jovens pobres do sexo masculino, entre 15 e 24 anos.
Esse quadro não
é diferente no sistema prisional. Aquelas e aqueles que conseguem se esquivar
das miras policiais acabam, muitas vezes, trancafiados e torturados, por anos a
fio, em um sistema prisional extremamente violento e degradante, cada vez mais
extenso e superlotado: entre 1995 e
2011, a população prisional teve crescimento de 250% contra 25% de crescimento
da população em geral, segundo dados oficiais do próprio Departamento
Penitenciário Nacional (DEPEN)[3].
Em 2012, já temos mais do que 550 mil pessoas presas no Brasil. Apenas em São
Paulo, nesse ano, a média é de 9.000 pessoas presas contra 6.000 que são
libertas por mês, segundo dados apurados in
loco, pela Pastoral Carcerária, e junto à Secretaria de Segurança Pública
de São Paulo; ou seja: a cada mês, São
Paulo abriga 3.000 pessoas a mais em seu sistema prisional.
As pessoas que
povoam o sistema prisional brasileiro são parte do mesmo grupo social daquelas
vitimadas no decorrer da longa História
Brasileira dos Massacres: 80% da
população prisional são acusad@s ou sentenciad@s por crimes contra o patrimônio
ou por pequeno tráfico de drogas (quase metade ainda sem condenação); cerca de 55% estão presas por crime sem grave
ameaça ou violência à pessoa; 52% estão
presas por crimes sem violência ou grave ameaça; mais da metade tem menos do
que 29 anos; 90% sequer completaram
o ensino médio; 60% dessas pessoas
são negras...
Igualmente
massacradas são as famílias das vítimas da violência do Poder Público,
sobretudo as mulheres, que acabam segurando as pontas da família quando o ente
querido é executado e enfrentam todo tipo de sevícias praticadas por agentes
estatais (como a ignóbil revista vexatória, por exemplo) para manter contato e
fornecer o mínimo de subsídio a@ filh@ que é pres@.
O Massacre do Carandiru é extremamente
emblemático, portanto, das duas principais dimensões, bem estreitas entre si,
dos massacres que historicamente são perpetrados contra o nosso povo pobre,
preto e periférico: a prisão degradante e
o extermínio covarde.
OS MASSACRES DO COTIDIANO
No entanto, é
necessário entender que há várias outras dimensões desses massacres históricos
que, a despeito da menor intensidade de violência e de ocorrerem de modo menos
ostensivo, também fazem parte da mesma engrenagem de moer, explorar e gastar
nosso povo.
Tais dimensões
estão contidas em um contexto de precarização
da vida cotidiana na periferia por meio da negação de condições mínimas de sobrevivência e da repressão das tentativas populares de
superar a completa ausência de políticas públicas sociais.
No universo da
trabalhadora e do trabalhador, são incontáveis as agressões diárias a que se
submetem na tentativa de garantir o mínimo de dignidade em suas vidas:
Das remotas
periferias até o excludente centro da cidade de São Paulo, são muitas as horas
despendidas diariamente em ônibus superlotados, em trens igualmente
superlotados, lentos e sucateados (com panes constates), para enfim chegar ao
posto de trabalho, em regra igualmente precário: aquelas e aqueles que superam
o desemprego se submetem, no mais das vezes, a condições horríveis de trabalho
(para se ter uma ideia, em 2011, foram quase 500 mortes em acidente de trabalho
apenas em São Paulo![4]).
No fim do dia,
horas e mais horas para retornar para casa... Casa que, por vezes, na verdade é
um barraco precário e frágil, improvisado em algum terreno abandonado, em
alguma beira de represa, em algum morro desocupado, sem qualquer possibilidade
de acesso à mínima infraestrutura para garantir os serviços sanitários mais
básicos[5].
No lugar de intervir
para promover o acesso à moradia digna, para estruturar os espaços ocupados
legitimamente, o Poder Público apenas
aparece para expulsar violentamente as pessoas de seus lares, para tencionar as
comunidades e para criminalizar os chamados “suspeitos” de toda sorte de
suspeição. Às vezes em troca de um miserável “cheque-despejo” aos
“invasores”, geralmente famílias migrantes de origem afro-indígena e
norte-nordestina que já tinha sido expulsas de seus locais de origem; às vezes
o troco é o porrete e a prisão desses “bandidos” de “cor padrão”...
Isso quando as
favelas não são incendiadas criminosamente justamente em áreas que se pretende
“revitalizar”...
Para piorar, a
precariedade da moradia vem acompanhada da precariedade no serviço de saúde:
não há médicos, não há hospitais, não há unidades básicas de saúde para dar
conta da enorme demanda originada por esse ambiente de descaso.
Para piorar
ainda mais, as escolas públicas são poucas, escassas, de péssima qualidade, com
professor@s mal pag@s, desmotivad@s e adoecid@s, diretor@s mal preparad@s e
nenhuma interação entre as atividades escolares e as necessidades da
comunidade.
Faltam vagas
nas creches (apenas na cidade de São Paulo estima-se oficialmente um déficit de
ao menos 126.000 vagas de creches![6]) e
falta qualidade naquelas existentes, cada vez mais terceirizadas a organizações
privadas; falta acesso amplo e democrático a um ensino básico de qualidade e a
políticas afirmativas que assegurem reparação na forma de acesso a
universidades públicas com excelência no ensino, pesquisa e extensão.
Lazer, então, é
utopia! Nada se estrutura na periferia para prover o mínimo de acesso a
atividades esportivas e culturais. O que
há é fruto do esforço das próprias comunidades, que pouco a pouco vão
percebendo que só podem contar com a própria força. Ainda assim, as iniciativas
populares vivem ameaçadas pelo Poder Público, sempre em prontidão para
restringir ou proibir atividades culturais autônomas, como saraus, rodas de
samba, bailes musicais, encontros artísticos etc.
Esse processo de abandono das periferias é
casado com o processo de higienização das regiões centrais.
Se ficarmos
apenas no ano de 2012, podemos contar diversos episódios reveladores de uma política espúria de expulsão dos mais
pobres da região central da cidade: os incêndios na Favela do Moinho; a
operação “dor e sofrimento” na Cracolândia; os incêndios nas favelas do Piolho,
Humaitá, Paraisópolis, Vila Prudente, Alba, Corujão, Areião e tantas outras
entre as mais de 50 intencionalmente incendiadas apenas em 2012; a proibição
dos artistas de rua; a perseguição aos camelôs; a proibição do “sopão”; a
proibição dos engraxates na Paulista; a “operação delegada”; a “operação
espantalho”...
De operação em
operação, vai se consolidando um violento processo de expulsão da população
mais pobre que habita as ruas do centro e as regiões cuja valorização
imobiliária aumenta e onde os interesses dos grandes projetos urbanos crescem
os olhos em cima.
Essas mesmas
pessoas hoje expulsas de suas casas, desprovidas de seus meios de
sobrevivência, do acesso à mínima infraestrutura oferecida no centro,
destituídas do acesso aos serviços mais básicos, amanhã estarão provavelmente
ainda mais vulneráveis ao processo de criminalização da pobreza e, por
consequência, serão alvos mais fáceis das miras e das algemas policiais.
O massacre se
estende à falta de um acesso democrático à informação e à comunicação, deixando
a maioria da população à mercê de monopólios comunicacionais de caráter
sobretudo comercial e espetacular, muitos dos quais reproduzem e intensificam o
massacre simbólico e contribuem para estigmatizar, criminalizar e justiçar
midiaticamente os trabalhadores-alvos, ampliando preconceitos e o clamor
punitivo generalizado. Ganham com isso toda a indústria do medo e do pânico,
nas suas mais variadas expressões: a indústria dos condomínios fechados, a
indústria das armas e da segurança particular, a indústria dos seguros de vida
e de proteção patrimonial, a indústria da medicina psiquiátrica e dos
antidepressivos etc. As prisões em massa e as “matanças dos suspeitos”
tornam-se “verdadeiros” bodes expiatórios da expiação sem fim, são aplaudidas
em coro nos diversos “programas espetaculares”, até que esta apologia da
violência se volte contra os que hoje seguem aplaudindo. Dissimula-se, então,
surpresa e indignação, que logo se esvai diante da próxima “caçada aos
bandidos” do próximo turno.
Para dar conta do problema da segurança
pública hoje é preciso desvendar, correlacionar e enfrentar essas diversas
dimensões dos massacres perpetrados contra as populações periféricas. A
reversão desse quadro depende, sobretudo, da luta, da união, da organização e
da coragem daquelas e daqueles que sofrem cotidianamente com a violência
histórica, estrutural e estruturante do Estado brasileiro.
A FUNÇÃO DOS MASSACRES
A política de massacres contra a população
pobre, preta e periférica é mediada por uma série de artifícios vendidos como
“políticas de segurança pública”, sempre a título de “combater” a crescente
violência, mas que, em verdade, está a serviço justamente da reprodução dessa
violência e, no limite, da reprodução e aprofundamento das desigualdades que
demarcam nossa sociedade.
Sempre que se
anuncia uma nova “onda de violência” ou uma nova “crise de segurança pública”,
um “aumento da (suposta) criminalidade”, responde-se quase que automaticamente
com a intensificação do efetivo e do “rigor” policial. As chamadas políticas de
“tolerância zero” vêm sendo importadas, recriadas e multiplicadas sob diversas
novas fachadas de marketing e repaginações para dissimular a intensificação da
violência, que prossegue.
De um lado, no
lugar de se estruturar políticas sociais de acesso aos serviços mais básicos e
de se priorizar o fortalecimento da atribuição investigativa da polícia civil
(o que poderia, em tese, propiciar um aumento da responsabilização daquelas
pessoas que cometem crimes de forma mais estrutural e organizada e, portanto,
com maiores consequências sociais), privilegia-se o aumento do efetivo da
polícia militar que, como sabemos, funciona sob a lógica do “pega ladrão”, da
“prisão em flagrante”, visando sempre as pessoas mais vulneráveis – em razão de
serem, e que por isso se tornam ainda mais, descartáveis para os grandes
interesses econômicos. Um novo tipo de exploração é, então, gestado sob a égide
do terror dentro dos presídios, o qual tende a se intensificar com os
crescentes planos de privatização dos mesmos.
De outro lado,
ao mesmo tempo em que se fortalece o efetivo da “polícia de rua”, fomenta-se
também a perversa “lógica de guerra” da polícia militar contra as populações
mais pobres, a chamada “linha-dura”, fomento que se dá por discursos
autorizadores de todo tipo de arbítrio policial e de, com muita frequência,
execuções extrajudiciais, sumárias. Atualiza-se assim, de forma tão perversa
quão requintada, a mesma lógica da “guerra contra o inimigo interno” que
imperou durante o regime ditatorial por meio da espúria Lei de Segurança
Nacional.
Basta verificar
as recentes falas do Governador de São Paulo, que afirmou que “não recua um
milímetro”[7],
pois quem reagir às ações da polícia “vai se dar mal”[8] e,
após um recentíssimo caso de chacina operada pela ROTA, a escandalosa afirmação
‘consoladora’ de “quem não reagiu está vivo”[9]. O
mesmo governador declarou anos atrás que "bandido tem duas opções: ou é
prisão ou é caixão"[10]...
O resultado tem sido uma nova intensificação de matanças recorrentes nas
periferias de São Paulo ao longo dos últimos meses de julho, agosto e setembro
de 2012[11].
A MILITARIZAÇÃO DE TODAS AS DIMENSÕES DA VIDA
Esse processo
pertence a uma política mais ampla de militarização da gestão pública. Hoje,
não apenas se expande dia-a-dia o efetivo militar, como também a própria lógica
de guerra militar ocupa, cada vez mais, todos os espaços públicos.
Das 32 subprefeituras
paulistanas, 31 são ocupadas por militares, os quais, a partir dessa lógica de
guerra, na qual o pobre, preto e periférico é transformado em inimigo a ser
neutralizado, gerenciam de maneira nada democrática os problemas das regiões em
que estão circunscritos[12].
Não são apenas
31 das 32 subprefeituras de São Paulo que estão sob o comando de militares, mas
uma série de outros órgãos públicos municipais e estaduais sendo administrados
por gestores-militares, isso somado à proliferação dos CONSEGs, que são
chamados de Conselhos Comunitários de Segurança Pública, porém na verdade foram
estruturados e são comandados por quadros diretos das polícias, da secretaria
de segurança pública e, no caso de São Paulo, pelas subprefeituras
militarizadas[13].
Esses aparatos são cada vez mais associados ao enorme exército de segurança
privada, atualmente cerca de 5 vezes maior do que o já enorme efetivo de
policiais civis e militares no estado de São Paulo[14].
Essa
militarização, que na presente eleição ameaça avançar ainda mais também sobre a
Câmara Municipal (com a proliferação de candidatos-militares “linha-dura” a
vereador)[15],
apesar de fazer parte do processo de formação brasileira, é herança mais direta
do entulho autoritário criado e deixado pela Ditadura Civil-Militar e acaba por
ocupar diversos espaços urbanos, sobretudo as periferias.
Exemplo disso é
a manutenção e o fortalecimento constante da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias
Aguiar), nome que recebeu durante Ditadura, quando foi reorganizada para
exterminar quem combatia o regime de exceção.
Hoje, capitaneada por Salvador Modesto Madia,
nomeado pelo atual Governador e responsável direto por ao menos 78 execuções no
Massacre do Carandiru, a ROTA é o destacamento mais letal da Polícia Militar:
atuante principalmente nas periferias da cidade, é responsável por 20% das
execuções cometidas pela PM, apesar de não corresponder a 0,5% do seu efetivo[16].
Mas não é
apenas a Rota a responsável pelas práticas de extermínio. Trata-se de um quadro
generalizado, escancarado recentemente por declarações de policiais civis, que
afirmaram e descreveram assertivamente que hoje
“em cada batalhão da polícia militar de São Paulo tem um grupo de extermínio”[17].
Nos fundões da
cidade, cada dia mais, problemas sociais são tratados com criminalização e
violência policial. A militarização da gestão pública e da sociedade fica bem
visível na criminalização de movimentos sociais pela moradia, nos violentos
despejos, no genocídio popular, na crescente intervenção da polícia militar em
pequenos conflitos entre jovens nas escolas públicas, nos obscuros e regulares
incêndios em ocupações populares, e por aí afora...
A crescente militarização em São Paulo
funciona como controle e contenção de qualquer reivindicação oriunda das
periferias. A militarização e os massacres têm operado em todas as dimensões da
vida social e comunitária, em especial para os trabalhadores e trabalhadoras
pobres e negros, consolidando-se a noção reacionária e orwelliana de que justiça seria sinônimo de repressão e
punição, e a paz viria por meio de
mais guerra.
Reflexo direto da política de militarização
da gestão pública é o aumento exponencial da população carcerária, problema a
que também se responde com solução mágica e pronta: a construção de novos
presídios. Parece evidente que, no atual cenário, não há orçamento público
que dê conta da construção do número de presídios necessário para acompanhar o
crescimento da população carcerária.
Mais evidente
ainda é que, se o que se quer é combater a criminalidade que mais causa impacto
na sociedade, como as (verdadeiras) organizações criminosas, a sonegação de
impostos, a corrupção, a violência dos agentes públicos, então é necessário
concluir que o sistema prisional não serve a esse propósito: como se viu, a
população prisional é formada, em sua imensa maioria, por pessoas que
supostamente cometeram pequenos crimes contra o patrimônio e por pequen@s
traficantes, em regra presas em condições de alta vulnerabilidade[18].
Não fosse
suficiente o encarceramento em massa e a alta seletividade penal, aparece agora
o próprio sistema prisional como alvo do interesse da iniciativa privada,
sedenta por receber dinheiro público pela administração de presídios e,
principalmente, por acumular altos lucros com a exploração de mão-de-obra
disciplinada e barata. A privatização do sistema prisional já é anunciada pelos
Governos Federal e Estaduais cada vez mais sem pudores, apesar de, como já dito,
estar claramente voltada aos lucros de quem quer explorar a “atividade”...
A despeito do
discurso mentiroso de combate à “criminalidade” e de “ressocialização”, os sistemas penal e prisional funcionam, na
prática, para o fim de conter a pobreza, produzir a criminalidade e reproduzir
e aprofundar as desigualdades geradas pela exploração dos poucos donos dos meios
de produção sobre os muitos desprovidos dos meios para ao menos sobreviver.
Fortalecem essa
política de massacres o sistema
judiciário e a grande mídia
comercial.
O Judiciário, apesar da prática reiterada e
escancarada de abusos policiais, segue imbuído de seu papel histórico na
sociedade brasileira de punir os pobres, ainda que presos ilegalmente, ainda
que presos por condutas insignificantes, ao passo que ignora completamente as
denúncias de tortura e de execuções perpetradas por policiais e tolera amplamente
os crimes do colarinho branco. Nesse papel, o Judiciário contribui
decisivamente para o alto grau de seletividade pena e de violência policial que
presenciamos.
Não apenas no
direito penal o Judiciário demonstra, cotidianamente, a sua opção pelos mais
ricos. É mais do que corriqueira a prática de se privilegiar interesses
particulares de grandes proprietários no lugar de atender a interesses
coletivos de populações mais pobres.
Um exemplo
nítido e recente dessa prática foi o Massacre
do Pinheirinho, desocupação violenta de mais de 7 mil pessoas pobres
ordenada pelo Tribunal de Justiça paulista em atendimento aos interesses
escusos de um notório milionário especulador e mafioso, envolvido com todo tipo
de maracutaias[19].
A mídia
é igualmente decisiva na reprodução dessa lógica bárbara de massacres contra a
população pobre, preta e periférica. De maneira falsamente neutra, o que vemos
na televisão são justiçamentos midiáticos das camadas mais populares,
reproduzindo e ajudando a forjar a ideologia dominante de exclusão e massacre
dessa parcela da população[20].
Não é ao acaso
que se executa e se prende em massa aquelas e aqueles que menos têm acesso aos
serviços públicos mais básicos. Não é à toa que as várias dimensões dos massacres
atingem a mesma população pobre, preta e periférica, ainda que em graus
diferentes. Não é gratuitamente que Judiciário e Mídia tentam, invariavelmente,
justificar e legitimar todos esses massacres contra o povo.
Todo esse aparato está a serviço da exploração
de poucos sobre muit@s e da reprodução e do aprofundamento constante da
desigualdade produzida por essa exploração.
A luta contra o
encarceramento em massa e contra os extermínios, portanto, é a mesma luta
daquelas e daqueles que sofrem com o transporte público precário, com o serviço
de saúde falido, com o sistema de ensino desestruturado, com a moradia escassa
e para poucos, contra o desemprego, contra as condições degradantes de
trabalho, contra a repressão às tentativas autônomas de sobrevivência...
Tod@s estamos
no mesmo lado da corda que é puxada com violência por esse conjunto de
“políticas de segurança pública” que está a serviço dos poucos que se
beneficiam de toda essa violência: os donos do poder, os donos das terras, dos
latifúndios, dos meios de produção.
A luta d@s explorad@s é uma só!
PELO
FIM DOS MASSACRES
A luta
pelo fim dos massacres, como se vê, é marcada pelo enfrentamento de interesses
poderosos e só pode ser levada à frente na medida em que as periferias, as
quebradas, se levantarem e unirem forças para superar aqueles que as oprimem.
A REDE 2 DE OUTUBRO, que passa a marcar o dia
2 de Outubro como o “Dia Pelo Fim dos Massacres”, quer somar e engrossar as
fileiras dessa luta e reivindica, nesse momento histórico de resgate dos 20
anos de memória do Massacre do Carandiru, a sua Memória, buscando atualizá-la
em nome da Verdade, na Luta Presente por Justiça.
Para
aqueles que também possam nos questionar sobre “afinal, quais são as propostas”,
finalizamos o presente manifesto com um abecedário inteiro de propostas
concretas que, dentre muitas outras, acreditamos que tanto podem como deveriam
ser adotadas de imediato, como certamente permanecerão em nosso horizonte
cotidiano de resistência:
A – Que
seja assegurado plenamente o Direito à Memória, à Verdade e à Justiça de todas
as, no mínimo, 111 vítimas oficiais do Massacre do Carandiru e seus familiares;
que se Respeite, se Repare (física, material e psiquicamente), se dê
Assistência, e se Fortaleça a caminhada de familiares de vítimas da violência
estatal e de pessoas presas, verdadeiros sujeitos diretos da transformação
desse quadro de violência estrutural;
B – Que
sejam cumpridas em sua plenitude, pelo estado de São Paulo e pela República
Federativa do Brasil, no mínimo as próprias recomendações estabelecidas em 3 de
março do ano 2000 ao país pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA
referentes ao Massacre do Carandiru, todas elas ainda por serem cumpridas.
Quais sejam:
“A
Comissão de Direitos Humanos recomenda à República Federativa do Brasil o
seguinte: 1. Realizar uma investigação completa, imparcial e efetiva a fim de identificar e processar as autoridades e funcionários responsáveis pelas violações dos direitos humanos assinaladas nas conclusões deste relatório.
2. Adotar as medidas necessárias para que as vítimas dessas violações que foram identificadas e suas famílias recebam adequada e oportuna indenização pelas violações definidas nas conclusões deste relatório, assim como para que sejam identificadas as demais vítimas.
3. Desenvolver políticas e estratégias destinadas a descongestionar a população das casas de detenção, estabelecer programas de reabilitação e reinserção social acordes com as normas nacionais e internacionais e prevenir surtos de violência nesses estabelecimentos. Desenvolver, ademais, para o pessoal carcerário e policial, políticas, estratégias e treinamento especial orientados para a negociação e a solução pacífica de conflitos, assim como técnicas de reinstauração da ordem que permitam a subjugação de eventuais motins com o mínimo de risco para a vida e a integridade pessoal dos internos e das forças policiais.
4. Adotar as medidas necessárias para o cumprimento, no presente caso, das disposições do artigo 28 da Convenção (Cláusula federal) relativas às matérias que correspondem à competência das entidades componentes da federação, neste caso o Estado de São Paulo. ” (http://www.cidh.oas.org/annualrep/99port/Brasil11291.htm);
C – À luz da situação referente ao
Massacre do Carandiru na esfera internacional e federal (esfera perante a qual
pedimos novo parecer), reforçamos aqui o pedido por um parecer definitivo da
Presidência da República também sobre o Pedido
de Deslocamento de Competência, a Federalização
das Investigações dos Crimes de Maio de 2006, outro caso extremamente
emblemático desta era dos massacres. Naquela ocasião dos Crimes de Maio de
2006, foram mais de 500 mortes no curto período de cerca de 1 semana – mais
pessoas assassinadas do que os já terríveis números de mortos e desaparecidos
dos 20 anos de Ditadura Civil-Militar brasileira, no entanto praticamente TODOS
os casos, tanto de 1992 como de 2006,
seguem emperrados ou arquivados.;
D – Pedimos, em caráter
emergencial, o acompanhamento político e jurídico por parte da Esfera Federal
(Presidência, Ministério da Justiça, Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria
Nacional de Justiça, Ministério Público Federal, Defensoria Pública Federal e
CNJ) da atual “Crise de Segurança
Pública no estado de São Paulo”, que já vitimou mais de 250 pessoas ao
longo destes últimos três meses – cujas raízes históricas, a nosso ver,
remontam às mesmas práticas que provocaram o Massacre do Carandiru há 20 anos.
Todas as principais esferas executivas e jurídicas do estado de São Paulo têm
demonstrado, recorrentemente, desde o Massacre do Carandiru (1992), a Chacina
da Castelinho (2002), e os Crimes de Maio de 2006, sua incapacidade de lidar
com crises de segurança pública como, novamente, esta agora de 2012, a exemplo
do que já tinha ocorrido em abril de 2010, dentre outros momentos.
E – Nesse mesmo sentido, queremos
também um encaminhamento efetivo no sentido de abolir definitivamente os registros de “Resistência Seguida de Morte”,
“Auto de Resistência” e afins em todo
país – essa verdadeira “licença para matar” inconstitucional usada a torto
e a direito por policiais assassinos em todo país. Conforme já estava previsto
no Programa Nacional de Direitos Humanos-3, é preciso urgentemente se abolir o
artigo 329 do Código Penal e melhorar profundamente o artigo 292 do CP. A
exemplo de qualquer outro cidadão brasileiro, a investigação de todas as mortes
violentas provocadas por agentes do Estado deve ser tratada como casos de
homicídios (dolosos ou culposos). Há nesse exato momento um Projeto de Lei nº 4471-2012 apresentado
recentemente trespor 4 Deputados Federais que pode caminhar nesse sentido
durante sua tramitação no Congresso Nacional. Que se avance!
F – Ainda sobre essa temática da letalidade
policial e seus desdobramentos jurídicos, também em caráter imediato e urgente,
pedimos que o CNJ passe a
acompanhar, junto às Defensorias Públicas Federal e Estadual, os casos
emblemáticos de mortes violentas relacionadas aos seguintes períodos: Massacre
do Carandiru (1992); dos Crimes de Maio de 2006; Crimes de Abril de 2010; a
Matança de MCs na Baixada Santista; e os Crimes de Junho a Agosto de 2012 no
estado de São Paulo, posto que o Executivo Estadual, o MP Estadual e o próprio
Judiciário Paulista seguem se omitindo;
G - Para além da situação em São
Paulo, é preciso a urgente Efetivação e
Fortalecimento de todas as Defensorias Públicas Estaduais – sobretudo os casos
de Santa Catarina e Goiás, bem como o Fortalecimento e Maior Atuação Estadual
da Defensoria Pública Federal nos estados, incluindo São Paulo;
H – Ainda
mais do que essas medidas imediatas, dentro do quadro atual, propomos que sejam criados mecanismos efetivamente
democráticos e populares para a participação de fato das pessoas presas, de
seus familiares e das comunidades periféricas, alvos preferenciais do poder
policial, penal e punitivo, na elaboração da legislação penal, que tanto nos
causa impacto – como, por exemplo, o Novo Código Penal;
I – Que se
assegure o devido Julgamento e as devidas Responsabilizações também de oficiais
superiores, superiores hierárquicos, autoridades da segurança pública e do
sistema prisional, responsáveis pelos agentes do Estado que cometeram ou
cometem abusos, tortura e execuções extrajudiciais e/ou sumárias;
J - É preciso se criar
urgentemente uma Política Nacional
voltada para os Familiares de Vítimas da Violência do Estado. Uma Política
que aponte diretrizes de Amparo, Proteção, Assistência Psico-Social, Reparação
(Material e Psíquica) e Indenização a todos os Familiares Diretos que são
Vítimas Colaterais e Conexas da Violência do Estado;
K - Também é preciso a
Efetivação Real do Controle Externo da formação e da atividade policial,
bem como da formação e atividade dos exércitos de Seguranças Privadas, pelo
Ministério Público, e por Ouvidorias e Corregedorias Policiais externas, com participação e controle efetivo da
população. Vale registrar bem registrado aqui que não somos apenas nós quem
estamos exigindo isso: trata-se de uma Recomendação Pactuada em Nível Federal,
para todas as instituições e instâncias do Pacto Federativo, conforme o Plano
Nacional de Direitos Humanos – 3 (PNDH-) (Pág. 123 – http://portal.mj.gov.br/sedh/pndh3/pndh3.pdf ):
“Criar
ouvidoria de polícia com independência para exercer controle externo das
atividades das Polícias Federais e da Força Nacional de Segurança Pública,
coordenada por um ouvidor com mandato.
Responsáveis:
Ministério da Justiça; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência
da República
Recomendação:
Recomenda-se aos estados e ao Distrito Federal a criação, com marco normativo
próprio, de ouvidorias de polícia autônomas e independentes, comandadas por
ouvidores com mandato e escolhidos com participação da sociedade civil, com
poder de requisição de documentos e livre acesso às unidades policiais, e
dotadas de recursos humanos e materiais necessários ao seu funcionamento”.
Tais medidas devem ter correlatas, tanto para Ouvidoria como para
Controle e Corregedoria Externas e Autônomas, no que se refere à atuação do
exército de segurança privada, atualmente 5 vezes maior do que o exército
oficial de policiais, sobre cuja atuação não há qualquer trabalho de ouvidoria
e controle externo popular efetivo.
L – No estado de São Paulo, é
necessária a implantação urgente do
Mecanismo Estadual de Combate à Tortura dentro das unidades prisionais,
conforme determinações já estabelecidas em âmbito Federal e também Estadual,
perante as quais o estado de São Paulo segue atrás de outros como o Rio de
Janeiro e Ceará, que já implantaram os mecanismos, ora em pleno exercício;
M – Na mesma linha, é preciso Ampliar e Fortalecer os espaços,
efetivamente democráticos e populares, com poder deliberativo, para aumentar o
acompanhamento, fiscalização, transparência e controle da população em relação
à atuação do Ministério Público, Desembargadores e Juízes;
N – Revisão dos critérios,
divulgação e informação para formação do chamado “ Júri Popular”, de modo que
represente efetivamente a sociedade (que em sua maioria é mulher, pobre e não
branca), e seja corretamente informado e motivado;
O – Contra a proibição de
familiares e amigos de vítimas comparecerem com roupas com símbolos e fotos nas
sessões de julgamento de agentes do Estado violadores de direitos humanos;
P – Contra as decisões judiciais
que concedem liberdade a agentes do Estado acusados de violações de direitos
humanos, quando tal liberação significar ameaça e intimidação a familiares,
testemunhas, movimentos sociais e defensores dos direitos humanos;
Q – Contra as decisões judiciais
de adiamento de julgamentos de agentes do Estado acusados de violações de
direitos, por alegações fúteis ou duvidosas como problemas de saúde de
advogados dos réus;
R - Condenação do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) e outros
semelhantes, vigentes no sistema prisional brasileiro (com destaque especial
para o estado de São Paulo), como contrários à dignidade e aos direitos humanos
e como forma de tortura;
S - Respeito à integridade física d@s pres@s e de suas famílias
(sobretudo na decisão sobre transferências e nas visitas), e aplicação efetiva
de todos os direitos assegurados a@s pres@s pela Lei de Execuções Penais. Nesse
mesmo sentido, reivindicamos o fim das Revistas Vexatórias e a garantia dos
Direitos Políticos dos presos e presas (como o direito ao voto);
T - Ampla vistoria pelo Judiciário dos abusos ocorridos em todo
sistema prisional brasileiro (incluindo as verdadeiras prisões de menores,
crianças e adolescentes) e aceleração da soltura das milhares de pessoas que já
cumpriram suas penas e/ou poderiam ser beneficiadas tendo-as reduzidas e ruptura com o processo recente de
encarceramento em massa e privatização dos presídios públicos (tanto as
medidas estaduais, como os planos de incentivo federais); Criação de Comissões
Especiais no Judiciário que aprofunde medidas efetivas para diminuir as
violências específicas, dentro das instituições totais estatais, contra
Mulheres, Negros, LGBTTs, Indígenas, Ciganos;
U - Acompanhamento mais ativo pelo Poder Judiciário do cumprimento
do Estatuto da Criança e Adolescentes integralmente, em especial para crianças
e adolescentes cumprindo as medidas chamadas de “sócio-educativas”, as quais na
prática tem sido de “privação de liberdade” e repressão intensiva; fim da
Fundação Casa (SP), devido à persistência reiterada de casos e situações de
tortura e violações graves dos direitos humanos das crianças e adolescentes ali
reclusos;
W - Condenação e proibição das chamadas “Operações Saturação” como
as ocorridas recentemente nas comunidades de Paraisópolis, Heliópolis e,
atualmente, na chamada “Cracolândia” em São Paulo-SP;
X - Desmilitarização total da Gestão Pública (a começar pelas
Subprefeituras e pelos cargos legislativos, em todos os níveis), dos Conselhos
de Segurança Comunitária (Consegs) e da própria Polícia Militar; Lembrando que
tal proposta não é encampada apenas por nós, mas se trata de um cenário que tem
preocupado crescentemente a opinião pública e diversos órgãos especializados em
Direitos Humanos (não apenas brasileiros, mas também diversas entidades mundo
afora). Tendo em vista tudo isso, recentemente, multiplicaram-se no noticiário
internacional demonstrações contundentes de preocupação por parte desses órgãos
em relação ao Brasil: o recém-lançado “Estudo Global sobre Homicídios – 2011” (http://www.unodc.org/unodc/en/data-and-analysis/statistics/crime/global-study-on-homicide-2011.html),
realizado pelo Departamento de Drogas e Crimes da ONU (UNODC) confirma que,
dentre as 207 nações pesquisadas, o país apresenta o maior número absoluto de
homicídios anuais: 43.909, em 2009 – sendo que já passou de 47.000 em 2011; a
Anistia Internacional voltou a denunciar, em seu relatório anual de 2012, a
violência e “o abuso policial como um dos problemas mais crônicos do país” (http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2012/05/anistia-internacional-volta-denunciar-violencia-policial-no-pais.html); até o
Departamento de Estado Norte-Americano, na sequência, afirmou que “a violência
policial mancha os Direitos Humanos no Brasil” (http://m.estadao.com.br/noticias/nacional,abuso-policial-mancha-direitos-humanos-no-brasil-dizem-eua,877472.htm); e,
ainda mais recentemente, o Conselho de Direitos Humanos da ONU recomendou
explicitamente que o Brasil trate de “combater a atividade dos ‘esquadrões da
morte’ e que trabalhe para suprimir a Polícia Militar, acusada de numerosas
execuções extrajudiciais” (http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2012/05/30/paises-da-onu-recomendam-fim-da-policia-militar-no-brasil.htm).
Nas últimas semanas, por conta de nova onda de violência policial
no estado de São Paulo, voltou-se a falar na opinião pública desta questão, e a
Rede Nacional de Familiares e Amigos de Vítimas, junto à REDE 2 DE OUTUBRO,
construiu uma petição pública “PELA DESMILITARIZAÇÃO DAS POLÍCIAS NO BRASIL”,
petição que já conta com quase 5.000 assinaturas: http://www.avaaz.org/po/petition/Desmilitarizacao_das_Policias_do_Brasil
;
Y - Nós requeremos também à Presidência da República e ao
Ministério da Justiça os primeiros encaminhamentos para a “Criação de uma Comissão da Memória, Verdade e Justiça para as vítimas
de agentes do estado durante o período democrático”. Como já vimos, no
Brasil, ao longo dos últimos anos, têm morrido assassinadas cerca de 48.000
pessoas anualmente, segundo estudos recentes publicados pela ONU e divulgados
pelo próprio Ministério da Justiça Brasileiro. Boa parte dessas mortes e
desaparecimentos é cometida por agentes do estado em pleno cumprimento de suas
obrigações, as quais deveriam ser garantir o direito à vida e à liberdade de ir
e vir em paz de todos os cidadãos. A exemplo dos esforços recentes que têm sido
feitos sobre a Ditadura Civil-Militar brasileira (1964-1988), em especial pela Comissão Nacional da Memória
e da Verdade, é preciso se avançar no Direito à Memória, à Verdade e à Justiça
das vítimas do período democrático (também conforme recomendação do PNDH-3);
Z – Por fim, exigimos também a Criação de uma Comissão da Anistia para os
Presos, Perseguidos, Mortos e Desaparecidos Políticos por agentes do estado
durante o período democrático. A exemplo do que foi instituído, no âmbito
do Ministério da Justiça, em relação aos familiares e vítimas da Ditadura
Civil-Militar, é preciso se avançar no mesmo sentido quanto aos Presos,
Perseguidos, Mortos e Desaparecidos Políticos da Democracia. Além das taxas de
homicídio de países em guerra, temos atualmente no Brasil mais de 540 Mil
pessoas presas, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). Há ainda
inúmeras pessoas perseguidas políticas, ameaçadas de morte ou mesmo
desaparecidas – como o nosso companheiro Paulo Alexandre Gomes, um dos
desaparecidos dos Crimes de Maio de 2006 que exatamente hoje estaria
completando 30 anos de idade. Os (no mínimo) 111 mortos durante o Massacre do
Carandiru são vitimas de um massacre político, crime de lesa-humanidade perante
o qual o Estado deve ser responsabilizado moral, jurídica e politicamente. O
estado precisa assegurar o Direito à Verdade e à Justiça para todos esses
cidadãos e seus familiares.
Mais importante de tudo: que essa série de
propostas concretas visando à preservação da vida, junto ao direito à memória,
à verdade e à justiça, bem como uma nova forma de sociabilidade totalmente igualitária,
desmilitarizada, abolicionista, pacífica e plenamente livre...que todas e cada
uma dessas propostas de curto e médio prazo sejam conquistadas por meio da
organização e da luta autônoma dos trabalhadores e trabalhadoras!
São
Paulo, 02 de Outubro de 2012
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